Como o mercado observa os índices de inadimplência no país?
Nos aproximamos do fim do primeiro semestre e o ambiente de negócios brasileiro segue em um misto de expectativas positivas, mas também de incertezas que, no conjunto, demandam parcimônia na leitura sobre os rumos da recuperação econômica do país.
De um lado, o crescimento do PIB em 1,2% – índice acima do que vinha sendo esperado pelo mercado e que coloca a economia brasileira nos patamares de pré-pandemia do 4º trimestre de 2019 em termos de volume –, aliado a variantes como o avanço da vacinação no país (cuja primeira dose chegou a cerca de 22,8% da população) são pontos que trazem mais otimismo para o empresariado brasileiro.
Não à toa, após meses de queda, o Índice de Confiança do Empresário, medido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), voltou a crescer, atingindo 97,7 pontos – sua maior alta desde março de 2014.
Tal otimismo também se refletiu em outras áreas. Considerando o período entre abril e maio deste ano, no comércio, o Índice de Confiança do Comércio se elevou em 9,8 pontos.
Já no setor de serviços, a alta foi de 6,4%, maior patamar desde fevereiro de 2020.
Na maior parte do setor industrial, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Índice de Confiança do Empresário Industrial foi positivo em 28 dos 30 segmentos industriais brasileiros.
Em contrapartida, o risco de uma terceira onda da Covid-19 ao longo das próximas semanas, somado a uma taxa de desemprego acima de 14 milhões brasileiros e um crescimento da inflamação média que refreiam as possibilidades de consumo da população, deixa – e com razão – o sinal de alerta aceso no mercado.
Vale ressaltar que uma possível terceira onda pode motivar um novo endurecimento das medidas restritivas adotadas pelos governos.
Uma análise sobre os impactos da inadimplência
Todo este cenário, por sua vez, aumenta a imprevisibilidade dentro do contexto da inadimplência e do endividamento das famílias e das empresas no país.
Analisando dados recentes, tivemos um aumento da inadimplência no plano empresarial (que subiu 0,5% em abril e atingiu 5,9 milhões de empresas, conforme levantamento da Serasa Experian) e no endividamento das famílias (que chegou a 67,5% em abril do ano passado, igualando ao recorde de agosto de 2020, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC).
Muito embora o efeito desse endividamento não tenha acarretado um crescimento dos índices de inadimplência das pessoas físicas, o percentual de famílias com dívidas em atraso caiu pelo oitavo mês consecutivo, conforme índice de abril da CNC.
É importante acrescentarmos nesta análise a questão da tomada de crédito, que pode trazer impactos na equação da inadimplência geral.
Analisando dados divulgados pelo Banco Central no fim de maio, temos um cenário em que o crédito ampliado a empresas somou R$4,3 trilhões (56,2% do PIB em abril), o que representa um crescimento de 7,7% no período de 12 meses (abril de 2020 até abril de 2021).
Em relação à pessoa física, o crédito ampliado às famílias totalizou R$2,5 trilhões, com alta de 13,8% no período de 12 meses.
Dentro deste cenário, precisamos considerar ainda o perfil do tomador de crédito no país, uma vez que, por exemplo, empresas/pessoas já endividadas que buscam o crédito aumentam o risco sistêmico de inadimplência no mercado.
É necessário, também, entender melhor o perfil dos novos clientes do sistema financeiro e, por fim, o potencial geral de pagamento das famílias e empresas diante dos avanços ou retrocessos na economia brasileira.
Dito isso, duas possibilidades parecem mais claras no âmbito da inadimplência: havendo um avanço no combate da pandemia, os efeitos negativos da inadimplência encontrarão acomodação nos patamares atuais, com perspectivas de melhora no médio prazo devido a consequente manutenção de medidas menos restritivas e a continuidade do crescimento econômico do Brasil.
Por outro lado, se forem adotadas novas restrições econômicas pelos governadores e prefeitos que desacelerem a recuperação do país, a tendência é a de que tenhamos impactos negativos também sobre a inadimplência, os quais podem desembocar, em maior ou menor grau, no setor bancário e na recuperação da indústria, comércio e no setor de serviços.
Com todos estes elementos em vista, o que se pode afirmar é que ainda vivemos um momento que exige parcimônia – em que pese a melhora do PIB e do ânimo do mercado.
Por: Pedro Bono, CEO e cofundador na Receiv, sistema de cobrança inteligente. É Doutor pela FGV e professor de gestão de risco de crédito nas melhores escolas de negócio do país.
Fonte: Receiv